conversas na paragem x

*tinininini tinininininini!*

– Estou, F.? Sim, já estou a caminho do tribunal. Olha… O que é que é melhor eu dizer? Que era para consumo, não é?

*longo silêncio enquanto respondem do outro lado*

– Pois… Eu vou contar como aconteceu: a minha mãe estava doente e fui eu pôr o R. à escola. Quando estava a voltar tinha fome e fui ao supermercado comprar um iogurte. Mas olhei para os queijos e não consegui resistir…

conversas na paragem viii

Srª A: “Então e a F., ela nessa altura teve um bebé e pô-lo no lixo…”

Srª B: “O quê??” [ar chocado]

 Srª A: ” Ahah, sempre que eu digo isto as pessoas ficam assim! Mas foi! Ela teve um filho e foi pô-lo no balde do lixo! Uma vizinha ia depois despejar o lixo e antes de o deitar ouviu “miau miau”, parecia um gato. Ela pensou que fosse um gato. Estava dentro dum saco.”

Srª B: “Ah, então e depois?”

Srª A: “Depois veio a polícia, e o bebé foi para o hospital, mas estava bom. E ela ficou com ele, foram perguntar-lhe se queria o bebé de volta, e não sei quê. Ela ficou com ele, retiraram todas as queixas e pronto. Ela ainda disse ao agente que já tinha 8 filhos e tinha visto que não podia ficar com aquele…”

Srª B: “Então mas se já tem 8 porque continua a fazer… Ahahah! Hihihi!”

Srª A: “Ahahah!”

Srª B: “Mas 8 ou 9, também já nem devia fazer diferença!”

Srª A: “Pois não! Ele já tem 13 anos, agora. Aiii… Já estou farta de ter de comprar leite, já disse ao meu sobrinho que qualquer dia compro uma vaca e ponho na varanda!

conversas (mudas) na paragem vii

blackinc.photoshelter.com

Estava a olhar em frente, para o vazio, cansada e a reflectir no meu dia.

O dia em que revi finalmente o Jules, depois de meses sem contacto, que me reuni com duas simpáticas “geek girls” para organizarmos as coisas para um evento na próxima semana, que fiz um convite a um possível orador para uma apresentação nesse evento.

Absorta nos meus pensamentos, não estava realmente focada no que os meus olhos viam, até que um movimento estranho do objecto para o qual estava a olhar me faz despertar. O homem dentro do eléctrico, que estava parado à minha frente, leva o objecto aos lábios e dá-lhe dois beijinhos, piscando-me depois o olho e sorrindo com ar matreiro.

Foco então o objecto e percebo que estive um minuto a contemplar uma garrafa de vinho cuidadosamente embrulhada num saco de plástico que o homem segurava com todo o cuidado com que se segura um objecto valioso. O que terá pensado? Que eu estava a sonhar com um copinho ao fim do dia para descontrair?

Não pude evitar sorrir-lhe de volta e fazer-lhe um 

terapia anti-stress: bolachas de manteiga

Material necessário

  • 460g de farinha
  • 230g de manteiga (convém tirar do frigorífico previamente para ser mais fácil incorporar na massa)
  • 230g de açúcar
  • 2 ovos inteiros
  • rolo da massa
  • vítimas (sugere-se usar amigas que gostem de doces, a quem se possa oferecer uma caixinha de bolachas no fim)
Junta-se tudo e amassa-se muito bem com as mãos – esta é a parte em que se liberta a energia estagnada e acumulada durante a semana.

Deita-se um pouco de farinha na tábua e estende-se a massa muito fina – é quase possível ver o stress a ir-se embora enquanto esticamos a massa com o rolo, delicadamente, esquecendo todos os problemas. Apenas interessa aquela massa bem uniforme e fininha.

Cortam-se as bolachas e vão ao forno em tabuleiro untado com manteiga (ou coberto de papel vegetal se forem preguiçosos como eu) – o cheirinho a bolachas acabadinhas de cozer que começa a invadir a casa é mais relaxante que o aroma a lavanda de qualquer spa de luxo.

Embrulhar e oferecer – todos sabem que oferecer coisas deliciosas é super relaxante. :)

conversas na paragem VI

Num dos chuvosos e escuros fins de tarde da semana passada, na paragem cheia de gente do Cais do Sodré, pára o eléctrico 15 e uma senhora na rua pede para falar com o condutor. Queria pedir-lhe autorização para percorrer o interior do eléctrico sem bilhete, e que ele esperasse que ela saísse antes de arrancar. O marido, com Alzheimer, tinha entrado na Praça da Figueira e nunca mais tinha dado notícias.

Passada revista ao eléctrico, a senhora sai para a noite gélida, sozinha no meio de tanta gente, agarrada ao telemóvel e com um ar desesperado.

Fiquei a fazer figas para que tudo lhe corresse bem.

conversas na paragem v

Srª A: “Agora ja nem podemos ir aos saldos! Ainda hoje dizia “não sei o que vestir!” e a C. disse “podes levar qualquer coisa do meu armário” mas eu disse-lhe “vou levar aquela gabardine que comprei quando era rica”.

Srª B: “Ah. Mas nós temos o que precisamos, queremos é sempre mais qualquer coisa!”

Srª A: “Pois, isso mesmo.”

Srª B: “Ai, mas lembraste dos saldos naquela loja?”

Srª A: “Pois era, era sempre óptimo! E quando lá ia com a minha irmã? Trazíamos sempre um saco cheio!”

Srª B: “Ontem o meu filho estava a pedir-me umas camisolas de marca, e eu a ver a vida a andar para trás!!! Mas quando perguntei qual era a marca ele disse “oh mãe, é quechua, ou assim”. Aaah, meu filho, queiras tu sempre quechua, que à Decathlon ainda consigo ir! E as coisas são boas!”

Srª A: “Pois são, pois são! Eu ando a tentar n gastar, mas cedo sempre numas coisinhas. O meu marido é que parece que não gasta dinheiro, mas quando vai às compras…”

Srª B: “Viste aques sapatos amarelos da D.? Aiiii, há cada moda!”

Srª A: “E aquelas leggins sem mais nada? Ai, que horrooooor!”

conversas na paragem iii

“E o qu’é esta cena, GPRS?”

“Ah, isso é p’a quando te roubam o telemóvel. P’a saberes onde ’tá.”

“Tipo c’o GPS? Nem sabia que o meu telemóvel tinha essa cena!”

“Ya, por GPS, mas o ‘R’ é porque usa também rádio.”

GPS – Global Positioning System
GPRS – General Packet Radio Service

Double Facepalm

conversas na paragem ii

Senhora A: “A Anita é que se casou agora. Ah, e sabes a Manela? Divorciou-se agora há umas semanas.”

Senhora B: “Ah, foi? Ela tinha miúdos, não tinha? Que é que lhes aconteceu?”

Senhora A: “Tinha e tem, dois rapazes! E não lhes aconteceu nada, o é que havia de lhes acontecer? Os homens vão e vêm. Mas os filhos são p’ra sempre!”

tsunami

A minha família estava na praia, numa língua de terra que era uma península muito estreita: havia uma estrada, e praia dos dois lados! A estrada subia uma colina e ligava a península à povoação .

A minha irmã decide ir comprar qualquer coisa ao bar da praia, e eu vou à água. Estou feliz, a nadar por ali, até que dou um mergulho e a única coisa que encontro é um montão de algas! Olho em volta, e o mar está todo a recuar, como vi na televisão que acontece durante a formação de uma onda de tsunami.

Aviso os meus pais e decidimos sair dali o mais depressa possível. Corremos para a estrada e vemos uma onda gigante a aproximar-se já da praia do outro lado da península. “Temos de ir lá para cima depressa!”, diz o meu pai, indicando o topo da colina. Mas a minha irmã continua no bar da praia, na fila para ser atendida, sem se aperceber de nada.

“Eu vou buscar a Jija, vão andando!”, digo eu, qual heroína da fita. Corro até ao bar e grito pela minha irmã, que olha para mim como quem diz “mas o que é que esta quer?”, provavelmente com um revirar de olhos que eu não consigo ver à distância. Nenhuma das pessoas que estão à volta parece aperceber-se do perigo. Aceno desesperadamente para a minha irmã vir ter comigo, e finalmente ela decide que não devo estar ali só para a chatear e aproxima-se. “Temos de ir a correr lá para cima, vem aí um tsunami!” e desatamos a correr, deixando as outras pessoas todas na ignorância do perigo que as espera…

Subimos a colina em grande correria, milagrosamente a inclinação não representa um esforço físico acrescido, e rapidamente nos juntamos aos nossos pais, que estão agachados, encostados a uma vedação, à espera do momento de se agarrarem a ela para não serem levados pelas águas. Juntamo-nos a eles.

Deito um último olhar à minha família e constato que os três tinham decidido que era melhor adoptar a forma de uma grande tartaruga terrestre. “Como vão agarrar-se à vedação assim, sem dedos?”, penso eu.

*Toca o despertador*

O vento soprava, forte, batendo-lhe na cara em rajadas violentas e desalinhando-lhe o cabelo. Continuou a andar, o casaco fechado até ao pescoço e os braços cruzados numa determinação contra a ventania, o frio e a fome que começava a sentir.
Na rua não se via ninguém, para além do ocasional automóvel que passava, no seu regresso a casa. Dum lado e de outro havia uma fila contínua de carros estacionados, muitos em cima do passeio, que a obrigavam a desviar-se e a contorná-los pela estrada.

De pé, com um olho nas outras e o outro na rua para ver se lá vinha o autocarro, contava-lhes como tinha sido quando tinha ido ao tribunal por causa do marido lhe bater. Já lhe batia há muito tempo, mas não era para a matar! Não, isso, ele, não! Só às vezes é que ela ficava a precisar duns curativos e ia ali ao São Francisco ou ao Centro de Saúde.

Até tinha dito à senhora juíza que se ele quisesse, ele tinha a força de vontade para perder aquele hábito, porque ele há 10 anos disse que ia deixar de fumar e nunca mais pegou num cigarro. Foi burra porque até parecia que o estava a defender!

Se não se divorciava? Ah, não tem dinheiro para isso, só um dos papéis que é preciso assinar custa 500 euros, fora o resto!

O pai também costumava bater na mãe, quando estava bêbado! Ela às vezes tentava impedir e punha-se à frente da mãe… olha, levavam as duas! Mas o marido não bebe: uma, duas cervejas, não pega em mais.

Tinha-se casado com ele porque tinha engravidado. E já não era nenhuma criança, teve o filho com 30, mas caiu na asneira. Quando lhe disse, foram casar-se. À porta do registo civil ele não queria entrar, mas ela também chegou para ele, disse-lhe que ou se casavam ou não havia de ser a primeira que era deixada com um filho nos braços. Ora toma!

Agora herdou a casita lá da terra, mais uns terrenos… Se calhar vai vendê-los. Porque não fica com a casa lá da terra e vai viver para lá? Ai, isso não, que disparate! Ela e o marido compraram há uns anos o andar por baixo do deles, assim podiam ter um quarto para cada filho. Agora ela pode mudar-se lá para baixo, e pronto, ficam separados…

Hoje apetecia-me…

… ir correr;

… estar contigo;

… escrever qualquer coisa inspiradora;

… descobrir uma nova música preferida;

… rir até às lágrimas;

… dar um abraço enorme;

… brincar com um cachorro;

… comer um crepe quentinho num sítio bonito e em boa companhia;

… ir passear;

… perdoar(-me), ultrapassar, esquecer,  e recomeçar.

A paisagem era a mesma de sempre, desfilava à minha frente todos os dias, sempre igual e sempre diferente: umas vezes cinzenta e coberta de nuvens carregadas, outras vezes clara e brilhante sob o inconfundível sol da manhã lisboeta, outras vezes pintada pelo vermelho derramado pelo sol baixo do fim da tarde. E, no entanto, parecia que a olhava pela primeira vez. Pela primeira vez me apercebia realmente das cores das casas, do azul do céu, da silhueta da ponte e da textura da superfície do rio, arrepiada pela brisa. Aquele rio, companheiro inseparável da cidade, sempre prostrado aos seus pés, ao pé do qual sempre vivi e para o qual todos os dias olho e vejo coisas diferentes.

Há dias assim, em que acordamos para ver o mundo de sempre de maneira diferente.

Hoje terminei um daqueles livros de que me vou lembrar muitas vezes nos próximos tempos, tenho a certeza. Trata-se do The Book Thief (A Rapariga que Roubava Livros, em português), escrito por Markus Zusak.

A história, passada na Alemanha Nazi, conta a história de uma menina cuja vida é marcada pela perda (tal como seria de esperar pelo cenário), mas também pela poderosa descoberta das palavras, que lhe são inesperadamente apresentadas na sua casa de acolhimento, na rua do Paraíso, num bairro paupérrimo duma localidade nos arredores de Munique. Roubar livros torna-se cedo a sua especialidade…

Fiquei curiosa acerca da biografia deste autor e fiz uma pequena pesquisa sobre ele. Descobri que nasceu em Sydney a 1 de Janeiro de 1975, filho de pai Austríaco e mãe Alemã e é o mais novo de 4 irmãos.

How about a kiss, Saumensch?